
PROFESSORAS E PROSTITUTAS
O jornal “A Tribuna”, da capital do Espírito Santo, publicou algumas “informações” preocupantes na matéria principal do dia 12 de junho. Eis alguns dos “dados publicados” que tanto me incomodaram:
O jornal “A Tribuna”, da capital do Espírito Santo, publicou algumas “informações” preocupantes na matéria principal do dia 12 de junho. Eis alguns dos “dados publicados” que tanto me incomodaram:
● A relação entre duas profissões exercidas principalmente por mulheres: garotas de programa e professoras.
● Uma estatística de que há 10 universitárias, 04 professoras, e três pedagogas atuam como garotas de programa na Grande Vitória.
● Uma entrevista com uma garota de programa que mora na Praia do Canto e afirma ser estudante universitária e já ter sido professora.
● Uma garota de programa ganha uma média de R$ 4000,00 por mês e uma professora ganha R$ 1100 pelo mesmo período trabalhado.
● A defesa de um representante do SINDIUPES, que defende a luta pela valorização do magistério a fim de que outras professoras não migrem para a prostituição.
Algumas considerações precisam ser feitas:
1. Como o próprio delegado e a garota de programa entrevistados já deixaram claro, prostituição não é crime. Crime é acreditar que o profissional de educação possa melhorar as estatísticas acerca de analfabetismo e educação precária no nosso país sem que seja valorizado por tão importante trabalho. Ser professora ou ser prostituta não é ilegal. Mesmo que uma não tenha se conformado com a situação de miséria, subordinação familiar e tenha ingressado na prostituição e a outra não se conforme com a idêntica situação de miséria, descaso, desmandos e autoritarismo na educação e lute contra isso todo dia. É incrível como que qualquer profissional de outras áreas se acha no direito de opinar sobre a mal remunerada atividade do magistério. Nenhum padeiro aceita que um professor vá à sua área de trabalho para que se dê sugestão sobre a medida de fermento a ser usado na produção do pão. Entretanto, todo mundo que tem diploma ou não, assalariado ou não, se acha no direito de escarnecer a profissão de educador ou de entrar numa sala de aula. O ex-presidente FHC disse certa vez que “todo mundo que não sabe fazer nada vira professor”. Pode ser que isso explique a sua escolha pelo magistério. Içami Tiba, psicólogo de renome, diagnosticou que os problemas de violência e educação ruim no Brasil é culpa dos próprios professores. O próprio jornal, autor da matéria, publica cotidianamente notas e reportagens especiais que me fazem ver a labuta de professor como uma atividade mais bélica que a de um traficante.
2. O magistério poderia se calar diante da atitude inconseqüente de “A Tribuna” para não macular a imagem das garotas de programa da Grande Vitória, uma vez que elas também não estão satisfeitas com suas condições de trabalho apesar do alto rendimento conquistado no mês à custa dos seus 10 programas diários com clientes dispostos a pagar por uma hora ou mais de prazer. Enquanto isso, as professoras que “ainda não se prostituíram” lutam para que seus alunos não aumentem a concorrência nos prostíbulos da Grande Vitória ou no tráfico. O meu aluno que trabalha no tráfico ganha mais que eu – Graduado em Língua Portuguesa, Pós-Graduado em Lingüística, Mestre em Literatura – todavia o meu respeito por ele, como aluno e cidadão, não me permite comparar nossas atividades e nossas remunerações, pois tem sido meu afã convencê-lo de que a educação pode mudar a sua realidade. Nem sempre uma atividade bem remunerada significa uma realidade da qual o cidadão possa se orgulhar e dizer em alto e bom som à luz do dia sem correr risco de ser apedrejado, criticado ou preso.
3. Um vereador, um deputado, ou outro ocupante de cargo eletivo qualquer, pode se orgulhar por toda sua vida do grande bem que fez à humanidade? O que conta é o que se ganha? Se é assim, Fernandinho (Não os dois ex-presidentes) tem mais dignidade que eu e pode se orgulhar do que faz. No entanto, eu posso assumir minha profissão na praça que, apesar das zombarias de jornais, secretárias de educação e administradores em voga, não serei perseguido pela justiça, pela Receita Federal, pela Inquisição ou qualquer outro órgão de opressão legalizado.
4. Sepulcros caiados é a expressão usada pelo Mestre dos mestres para se referir aos fariseus do início do milênio passado que insistiam em encontrar falhas na propagação das boas-novas divulgadas por Jesus. O mesmo jornal que publica matéria criticando a prostituição tem uma página diária de prostituição nos seus classificados. O senhor delegado poderia iniciar seu trabalho de inteligência observando os serviços prestados pelo jornal aos clientes das “ex-professoras”, agora garotas de programas. Ou será que vale a máxima: “Faça o que mando e não faça o que faço”?
5. Sepulcros caiados. Outro dia o mesmo jornal publicou uma matéria narrando a agressão que uma aluna de escola pública sofrera de seu professor. O título vinha em primeiro plano e era a primeira matéria do jornal. Dias depois, o jornal publicava uma nota mínima num canto qualquer do jornal sobre uma manifestação de estudantes em defesa do professor acusado de agressão.
6. Desconheço qual seja a real intenção do jornal ao relacionar as duas profissões e que estatística permite as conclusões publicadas pelo tablóide. Talvez seja uma forma de contribuição à nossa educação já tão degradada. Ou será que os jornalistas medíocres têm trauma daquilo que representou para eles a sala de aula um dia? Talvez isso justifique a língua portuguesa tão maltratada por nossos autores de matérias repletas de problemas de concordância, ortografia e regência.
(BELLMOND, David. Elogio à perversidade. Vitória, Editora do autor, 2009.)

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