
DURA LEX SED LEX? SÓ NA FICÇÃO!
Há alguns dias, meu filho de oito anos me perguntou o que era “pena de morte”. Fiquei receoso de falar sobre o assunto a um aprendiz tão púbere, todavia era um trabalho escolar e eu precisava ajudá-lo. Ao mesmo tempo, receei negar-lhe a discussão, pois já houve quem dissesse que “O mundo está prestes a ensinar o que os pais não ensinam”. E o mundo nem sempre ensina de forma pedagógica. Aproveitei o mote para construir a glosa.
Nas minhas palavras, a “pena de morte” é o castigo máximo que alguém poderia receber por algum erro. Expliquei-lhe que, em certos lugares do mundo considerados civilizados, mata-se ou se aprisiona o indivíduo pelo resto da vida, dependendo do crime cometido. O garoto apreendeu tão bem a lição que me questionou por que é que tais sentenças não existem no Brasil. Se fosse assim, o número de crimes diminuiria – opinou o menino. Concordei com ele em um terço e discordei na maior parte.
Disse-lhe que eu era favorável a essas penas em casos de seqüestro, estupro e latrocínio. Defini o que era latrocínio: assalto seguido de morte. Porém defendi que a história do povo brasileiro ainda não permite punições tão severas uma vez que a polícia e a justiça não estão preparadas para prender, julgar e condenar sem o ranço de preconceito e protecionismo que aqui existe. Instrui-lhe que a “pena de morte” e a “prisão perpétua” podem ser aplicadas apenas aos três P do povo: pretos, pobres e prostitutas. Corremos o risco de embranquecer, enriquecer e moralizar demais nossa população sem que exista verdadeiramente justiça.
Dura lex sed lex (Dura é a lei, mas é a lei).
Todos são iguais perante a lei.
Ninguém é culpado até que se prove o contrário.
A justiça é cega, surda e muda.
Certos provérbios falsos da justiça brasileira só são válidos para quem tem dinheiro e, conseqüentemente, bons advogados, ou para quem faz a manutenção da lei e da ordem. Os jornais nos provam constantemente que lei e justiça não funcionam de maneira imparcial aos bem-nascidos, aos excluídos, e mantenedores da “verdade”. Depois daqueles casos de chacinas na Candelária (no Rio de Janeiro), no Carandiru (em São Paulo), e no Carajás (no Pará), em que a punição é duvidosa, têm sido comuns os casos de crimes cometidos pela polícia. No Brasil, está virando moda militares serem autores de homicídios contra inocentes. Meus amigos, parentes e desconhecidos militares que realmente levam a sério o trabalho de guardiões da ordem me perdoem a dureza do meu discurso. Entretanto não é mais possível calar a voz desse povo ameaçado por quem deveria lhe proteger.
Há alguns dias, meu filho de oito anos me perguntou o que era “pena de morte”. Fiquei receoso de falar sobre o assunto a um aprendiz tão púbere, todavia era um trabalho escolar e eu precisava ajudá-lo. Ao mesmo tempo, receei negar-lhe a discussão, pois já houve quem dissesse que “O mundo está prestes a ensinar o que os pais não ensinam”. E o mundo nem sempre ensina de forma pedagógica. Aproveitei o mote para construir a glosa.
Nas minhas palavras, a “pena de morte” é o castigo máximo que alguém poderia receber por algum erro. Expliquei-lhe que, em certos lugares do mundo considerados civilizados, mata-se ou se aprisiona o indivíduo pelo resto da vida, dependendo do crime cometido. O garoto apreendeu tão bem a lição que me questionou por que é que tais sentenças não existem no Brasil. Se fosse assim, o número de crimes diminuiria – opinou o menino. Concordei com ele em um terço e discordei na maior parte.
Disse-lhe que eu era favorável a essas penas em casos de seqüestro, estupro e latrocínio. Defini o que era latrocínio: assalto seguido de morte. Porém defendi que a história do povo brasileiro ainda não permite punições tão severas uma vez que a polícia e a justiça não estão preparadas para prender, julgar e condenar sem o ranço de preconceito e protecionismo que aqui existe. Instrui-lhe que a “pena de morte” e a “prisão perpétua” podem ser aplicadas apenas aos três P do povo: pretos, pobres e prostitutas. Corremos o risco de embranquecer, enriquecer e moralizar demais nossa população sem que exista verdadeiramente justiça.
Dura lex sed lex (Dura é a lei, mas é a lei).
Todos são iguais perante a lei.
Ninguém é culpado até que se prove o contrário.
A justiça é cega, surda e muda.
Certos provérbios falsos da justiça brasileira só são válidos para quem tem dinheiro e, conseqüentemente, bons advogados, ou para quem faz a manutenção da lei e da ordem. Os jornais nos provam constantemente que lei e justiça não funcionam de maneira imparcial aos bem-nascidos, aos excluídos, e mantenedores da “verdade”. Depois daqueles casos de chacinas na Candelária (no Rio de Janeiro), no Carandiru (em São Paulo), e no Carajás (no Pará), em que a punição é duvidosa, têm sido comuns os casos de crimes cometidos pela polícia. No Brasil, está virando moda militares serem autores de homicídios contra inocentes. Meus amigos, parentes e desconhecidos militares que realmente levam a sério o trabalho de guardiões da ordem me perdoem a dureza do meu discurso. Entretanto não é mais possível calar a voz desse povo ameaçado por quem deveria lhe proteger.

Ano passado, um coronel da PM-ES disse em entrevista a um jornal capixaba que todo crime cometido contra policial militar deveria ser investigado e punido três vezes mais que aquele praticado contra o cidadão comum para que isso sirva de exemplo. A punição dada aos militares criminosos também não deveria seguir o mesmo preceito? Que se condene três vezes mais os servidores públicos armados que aumentam a fileira de meliantes e assustam a nós, cidadãos comuns, quando deveriam nos dar tranqüilidade e segurança por tê-los por perto. Dizem por aí que quem não deve não teme. Outro provérbio falso. Pago meus tributos e minhas contas rigorosamente em dia, contudo tremo e temo quando vejo um carro de polícia porque nunca sei quem me abordará: o policial militar, o policial federal, o policial civil, o guarda municipal decente ou o bandido vestido de mocinho. Conforme cantava o Chico nos anos de chumbo, é preciso chamar o ladrão porque a polícia nos dá pavor.
Desde a aprovação da “Lei seca”, tenho lido nos jornais casos de pessoas que não se enquadram na mesma situação de cumprimento da lei em que os praticantes comuns de direção e álcool são enquadrados. Já vi caso de policial federal que não aceitou se submeter ao teste do bafômetro mesmo apresentando sinais de embriaguez e nada lhe aconteceu. Já vi caso de policial militar que causou acidente em cerco da polícia e não aceitou tratamento igual àquele dado às pessoas comuns. E todos esses casos contaram com a conivência e proteção corporativista dos comandos militares.
Cidadãos comuns somos nós, meu filho, que não vestimos farda, não temos dinheiro guardado, não temos nomes em colunas sociais nem temos posse da espada e da balança que representam a justiça. “Dura lex sed lex” só na ficção. “Pena de morte” e “prisão perpétua” ainda estão distantes da nossa realidade porque podemos pagar pelo que não devemos.
Desde a aprovação da “Lei seca”, tenho lido nos jornais casos de pessoas que não se enquadram na mesma situação de cumprimento da lei em que os praticantes comuns de direção e álcool são enquadrados. Já vi caso de policial federal que não aceitou se submeter ao teste do bafômetro mesmo apresentando sinais de embriaguez e nada lhe aconteceu. Já vi caso de policial militar que causou acidente em cerco da polícia e não aceitou tratamento igual àquele dado às pessoas comuns. E todos esses casos contaram com a conivência e proteção corporativista dos comandos militares.
Cidadãos comuns somos nós, meu filho, que não vestimos farda, não temos dinheiro guardado, não temos nomes em colunas sociais nem temos posse da espada e da balança que representam a justiça. “Dura lex sed lex” só na ficção. “Pena de morte” e “prisão perpétua” ainda estão distantes da nossa realidade porque podemos pagar pelo que não devemos.

(BELLMOND, David. Elogio à perversidade. Vitória, Editora do autor, 2009.)

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